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Relatório da Transparência Internacional: Exporting Corruption 2022 e os retrocessos do Brasil no combate à corrupção

Aline Meyer e Samantha Benedetti

O Relatório Exporting Corruption 2022, divulgado em outubro de 2022 pela Transparência Internacional – organização não-governamental sediada em Berlim, que tem como objetivo combater a corrupção e as atividades criminosas ligadas a atos corruptos –, indicou que o Brasil tem regredido na implementação de um dos instrumentos mais importantes na legislação internacional contra a corrupção, o que, indubitavelmente, compromete sua entrada na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

O instrumento em questão é a Convenção Antissuborno da OCDE, que foi ratificada pelo Brasil em 2000 e tem como principais objetivos o estabelecimento de padrões juridicamente vinculantes para criminalizar o suborno de funcionários públicos estrangeiros em transações comerciais internacionais e estabelecer um mecanismo de monitoramento aberto, a fim de garantir a implementação completa das obrigações internacionais.

A Convenção determina que os membros signatários criminalizem o oferecimento, a promessa ou a concessão de vantagem indevida, pecuniária ou de qualquer outra natureza, a qualquer funcionário público estrangeiro que, direta ou indiretamente, por meio de ação ou omissão e no desempenho de suas próprias funções públicas, realize ou dificulte transações na condução de negócios internacionais. O suborno de funcionários públicos por empresas multinacionais não apenas dá origem a lucros ilícitos, mas também traz enormes custos e consequências para todo o mundo, como o desvio de recursos, distorção dos mercados e prejuízos à democracia e ao estado de direito.

Nesse sentido, o relatório Exporting Corruption 2022 avaliou, no período de 2018 a 2021, a implementação de esforços anticorrupção dos 47 principais países exportadores que, em conjunto, representam 84% das exportações globais. A partir dessa avaliação, os países foram classificados em quatro categorias, “ativa”, “moderada”, “limitada” e “pouca ou nenhuma implementação”. Tais categorias levam em conta os esforços para implementação das iniciativas anticorrupção em diferentes estágios, como o número de investigações conduzidas, aplicação de sanções e casos concluídos com aplicação de sanções, além de sua representação no contexto de exportação global, sendo fundamentais e indispensáveis para determinar os níveis de implementação da Convenção em cada um dos países.

A partir da avaliação conduzida, constatou-se que o Brasil regrediu na implementação dos esforços anticorrupção em comparação com a última avaliação, conduzida em 2020, passando da categoria de implementação “moderada” para “limitada”. Outros oito países também tiveram a classificação rebaixada em comparação com a última avaliação: Reino Unido e Israel (passaram de “ativa” para “moderada”), Itália, Espanha, Suécia e Portugal, que, como o Brasil, passaram de “moderada” para “limitada”, e Dinamarca e Lituânia, que passaram de “limitada” para “pouca ou nenhuma implementação”.

Constatou-se que, no período apurado pela avaliação, o Brasil conduziu apenas cinco investigações, iniciou um caso e concluiu outros dois casos com aplicação de sanções relacionadas à corrupção. De maneira geral, as principais fragilidades identificadas foram: inadequação dos mecanismos de denúncia e proteção do denunciante, especialmente no setor privado; a definição inadequada do suborno internacional, que não leva em consideração a corrupção privada; e a interferência política no trabalho das agências de aplicação de lei, que trouxeram sérias consequências aos esforços anticorrupção do país.

De acordo com a Transparência Internacional, os principais fatores que contribuíram para o retrocesso do Brasil na implementação da Convenção Antissuborno da OCDE foram[1]:

  1. “Perda de independência de instituições que atuam no controle da corrupção internacional, em especial a Procuradoria-Geral da República, a Polícia Federal e o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI, vinculado ao Ministério da Justiça);
  2. Descontinuação do modelo das Forças Tarefas (essencial para investigações de casos complexos de corrupção internacional), sem sua substituição por estruturas adequadas de trabalho em equipe e cooperação interinstitucional;
  3. Transferência da competência de investigação de casos de corrupção e lavagem de dinheiro quando associados a crimes eleitorais (como caixa dois) para a Justiça Eleitoral, com menos estrutura e especialização para processar crimes complexos;
  4. Insegurança jurídica e deficiências legais sobre instrumentos vitais para o enfrentamento à corrupção transnacional, como os acordos de leniência, a recuperação de ativos e compensação de vítimas e a proteção aos denunciantes de boa-fé (whistleblowers);
  5. Pouca transparência de dados sobre investigações contra o suborno transnacional e sobre as sanções aplicadas pela Controladoria-Geral da União (CGU), especialmente nos casos de acordos de leniência.”

Nesse contexto, a Transparência Internacional propôs algumas recomendações a serem adotadas para melhorar a posição atual em que o Brasil se encontra no âmbito da implementação de esforços anticorrupção:

  • Aprovação da legislação sobre transparência de beneficiários finais (do inglês “beneficial owner“), garantindo que o registro seja publicamente acessível.
  • Garantir a independência e autonomia, com prestação de contas, dos órgãos anticorrupção do Brasil, incluindo a Polícia Federal e o Ministério Público Federal.
  • Melhoria de condições para que os promotores federais e outros agentes da lei participem de equipes de investigação conjunta para trabalharem em casos de corrupção e crime organizado.
  • Reestabelecimento da competência jurídica das varas criminais especializadas para processar casos de corrupção, reformando a recente decisão que transferiu tais casos (quando ligados a crimes eleitorais) para tribunais eleitorais, que são menos equipados.
  • Garantir que as multas pagas e os bens recuperados em casos de corrupção sejam utilizados para compensação das vítimas, com transparência e prestação de contas.

Cumpre ressaltar que, embora influencie a posição do Brasil no contexto da implementação de esforços para o combate à corrupção, o relatório Exporting Corruption 2022 abarca avaliação conduzida pela Transparência Internacional e não pela própria Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Relatórios como o elaborado pela Transparência Internacional evidenciam o escrutínio sob o qual países ao redor do mundo estão sujeitos no que tangem aos seus esforços no combate à corrupção. Nesse sentido, o Brasil, que desde as primeiras fases da Operação Lava-Jato tem ocupado posição de destaque nessa seara e na mídia, deve levar em consideração e adotar posicionamento em relação a medidas que enderecem os pontos levantados pela Transparência Internacional, de maneira a manter a credibilidade conquistada em razão dos esforços empenhados desde o início da vigência da Lei n. 12.846/2013.


[1] https://transparenciainternacional.org.br/posts/convencao-da-ocde-brasil-recua-no-combate-a-corrupcao-internacional/


O presente artigo possui finalidade meramente informativa e sem caráter de aconselhamento jurídico. As informações contidas neste artigo não devem ser utilizadas ou aplicadas indistintamente a fatos ou circunstâncias concretas sem consulta prévia a um advogado. As opiniões contidas neste artigo são as expressadas pelo(s) respectivo(s) autor(es) e podem não necessariamente refletir a opinião do escritório ou dos clientes do escritório; e estão sujeitas a alteração sem ulterior notificação.

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