Tomás Mesquita
Com o advento da Lei Anticorrupção em agosto de 2013 – e sua respectiva entrada em vigor em janeiro de 2014 -, mudou-se, no Brasil, a dinâmica pela qual pessoas jurídicas são investigadas e responsabilizadas nas esferas civil e administrativa por atos de corrupção. Uma das principais mudanças faz referência a um instituto que tem sido comumente imposto: os monitoramentos independentes no âmbito de acordos de leniência.
Os monitoramentos independentes visam averiguar, durante um dado período, a implementação, o desenvolvimento e o aperfeiçoamento dos controles internos, do programa de integridade, da estrutura de governança e da cultura de integridade da pessoa jurídica leniente, a fim de evitar que os atos regressos que resultaram na celebração do acordo de leniência com as autoridades brasileiras tornem a ocorrer no futuro.
A princípio, quando as autoridades celebrantes do acordo de leniência entendem que um programa de integridade e a estrutura de controles internos são satisfatórios e apropriados, não há que se falar na imposição de um monitoramento independente, pois entende-se que a empresa possa, às próprias pernas, evitar a repetição de violações e a prática de crimes por seus funcionários, executivos ou terceiros contratados.
Contudo, quando se entende que a empresa não possui os sistemas e os programas necessários para se criar um ambiente ético e íntegro, a imposição do monitoramento independente se faz necessária para atingimento destes fins.
Para tanto, é selecionado um monitor independente que, acompanhado de uma equipe por ele escolhida, atua internamente na empresa leniente para coletar informações, revisar contratos, entrevistar executivos e colaboradores, visitar unidades e projetos, participar de reuniões, conduzir testes de transação, entre outras atividades. O reporte deste profissional é realizado diretamente para a autoridade pública que o nomeou; no entanto, os custos do trabalho desenvolvido – geralmente muito elevados – são arcados pela pessoa jurídica leniente.
Os monitoramentos independentes são efetivos pois cumprem dois papéis relevantes de forma concomitante. Por um lado, os monitoramentos auxiliam pessoas jurídicas a enrobustecer seus programas de integridade a fim de criar um ambiente mais sadio, íntegro e que, a longo prazo, não só tornar-se-á um diferencial competitivo relevante, como, também, servirá de exemplo para uma mudança cultural no próprio mercado em que aquele ente jurídico atua.
Por outro lado, os monitoramentos independentes também removem do Estado o ônus da fiscalização pormenorizada das empresas que, no passado, se envolveram em atos de corrupção, fazendo com que os recursos estatais possam ser empregados de outras formas, ocasionando maior economia e eficiência.
Neste último sentido, inclusive, vale notar que a Administração Pública não ficará cega por uma eventual “falta de controle”, vez que os monitores independentes se reportam às autoridades que os nomeiam e, imparciais como são, devem ser fiéis aos seus respectivos mandatos.
Esta prática foi adotada pela primeira vez no Brasil em dezembro de 2016[1], tendo gerado, desde então, conflitos de entendimento entre as principais autoridades sancionadoras a nível federal, tais como o Ministério Público Federal (“MPF”), a Controladoria-Geral da União (“CGU”) e a Advocacia-Geral da União (“AGU”).
A título exemplificativo, já é possível identificar modelos diferentes de monitoramentos independentes sendo adotados pelo MPF de um lado (modelo mais independente, conforme utilizado nos Estados Unidos), e pela CGU e AGU do outro (com participação mais efetiva das autoridades e das próprias empresas).
Os monitoramentos independentes no Brasil têm sido, até o momento, resultado de negociações havidas entre empresas e autoridades públicas – nomeadamente a CGU, AGU e MPF – no âmbito de acordos de leniência firmados em decorrência de atos de corrupção.
Neste sentido, os monitoramentos independentes tornam-se disposições contratuais reguladas, em princípio, pelo que fora previamente acordado entre as partes. Como veremos a frente, até julho de 2022 não existia qualquer legislação e/ou normativo que tratasse do tema ou da necessidade de sua imposição, deixando a critério das partes – ou, mais frequentemente, de uma delas (as autoridades) – o estabelecimento dos monitoramentos independentes e as “regras” que deveriam ser seguidas.
Na prática, a imposição de monitoramentos independentes por acordos de leniência no Brasil ocorre quando as autoridades celebrantes dos acordos entendem que o programa de integridade das pessoas jurídicas estão aquém do que julgam satisfatório para evitar novas violações da Lei Anticorrupção. Contudo, o MPF, por exemplo, não possui premissa, guia ou sistema avaliativo conhecido que embase a decisão de se aplicar um monitoramento independente.
Em contrapartida, a CGU e a AGU avaliam, em conjunto, os controles internos e programas de integridades das colaboradoras por meio de equipe especializada da CGU. Tal equipe solicita o preenchimento pelas empresas lenientes de fichas informativas, nomeadamente os Relatórios de Perfil e Conformidade[2]. Esses relatórios também devem ser embasados pelos respectivos documentos comprobatórios.
Os programas de integridade (e os respectivos relatórios de Perfil e Conformidade e evidências) são, então, comparados aos quesitos constantes da Planilha de Avaliação de Integridade em PAR[3] – documento que reúne e destrincha os 15 (quinze) itens intrínsecos aos programas de integridade tidos como robustos, de acordo com o Decreto Regulamentador da Lei Anticorrupção. Caso um determinado programa de integridade seja considerado insatisfatório com base na planilha de avaliação, um monitoramento independente pode ser indicado pela CGU e AGU.
Contudo, é importante notar que estas ferramentas foram elaboradas e pensadas para a avaliação de programas de integridade no âmbito dos Procedimentos Administrativos de Responsabilização instaurados pela CGU, cujo principal objetivo é conceder créditos em relação às multas administrativas cabíveis sob a égide da Lei Anticorrupção.
Logo, os relatórios de Perfil e Conformidade e a Planilha de Avaliação de Integridade em PAR não foram originalmente pensados para avaliar a necessidade de imposição de Monitoramentos Independentes que, na prática, devem também ser embasados por critérios muito mais amplos (ie, mercadológicos, reputacionais).
Embora os monitoramentos independentes já tenham sido impostos desde dezembro de 2016 no Brasil, estes foram efetivamente trazidos à luz da legislação brasileira somente em julho de 2022, com o advento do Decreto Regulamentador nº 11.129/2022 (que revogou o antigo Decreto nº8.420/2015).
O Decreto Regulamentador, em seu Artigo 51, enxerga os monitoramentos independentes da seguinte forma:
“Art. 51. O monitoramento das obrigações de adoção, implementação e aperfeiçoamento do programa de integridade de que trata o inciso IV do caput do art. 45 será realizado, direta ou indiretamente, pela Controladoria-Geral da União, podendo ser dispensado, a depender das características do ato lesivo, das medidas de remediação adotadas pela pessoa jurídica e do interesse público.”[4]
Logo, percebe-se que o legislador não só confere à CGU a imposição dos monitoramentos independentes, mas, também, a ela dá a discricionariedade de avaliar a sua real necessidade.
Percebemos, portanto, que mesmo existindo prova cabal de violações cometidas – que serão o foco primário dos acordos de leniência -, a imposição dos monitoramentos independentes será avaliada pela conveniência e necessidade, em vez de uma consequência física e imutável em resposta a uma prática reprovável.
Neste sentido, entendemos que não podemos caracterizar os monitoramentos independentes como uma sanção administrativa, pois o instituto não está diretamente correlacionado à violação cometida pelo ente jurídico, mas é uma possível consequência futura do acordo de leniência a ser celebrado – de mútuo acordo – em referência à violação cometida.
Logo, a imposição de monitoramentos independentes não possui nexo causal com a violação cometida, mas configura uma possível resposta para a sua prevenção futura; não são uma resposta ao ilícito, mas uma precaução que pode, ou não, ser necessária.
Por outro lado, seria possível configurar os monitoramentos independentes como uma consequência de negociações entre as partes, tendo estas a discricionariedade de negociar, no espectro legal, quaisquer medidas de remediação que julguem pertinentes no caso concreto, incluindo a indicação de um monitor independente. Seria este, inclusive, um exemplo de negócio jurídico perfeito.
Embora na prática cumpra dizer que as autoridades reguladoras normalmente decidem de forma unilateral a necessidade da aplicação de monitoramentos independentes, ainda assim entendemos que, no ordenamento jurídico, é mais apropriado considerar os monitoramentos como consequência contratual em vez de sanção administrativa.
[1] Monitoramento Independente da então Odebrecht S.A., hoje Novonor S.A.
[2] Disponível em: https://www.gov.br/cgu/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/integridade/arquivos/manual-pratico-integridade-par.pdf. Acesso em 30/10/2023.
[3] Disponível em: https://www.gov.br/cgu/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/integridade/arquivos/manual-pratico-integridade-par.pdf. Acesso em 30/10//2023.
[4] Decreto Federal nº 11.129/2022, Art. 51.
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