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A Evolução dos Canais de Denúncia: Uma Análise da Pesquisa Nacional da Aliant (2015-2025)

Ana Carolina Corrêa e Mainara Massuella

I. Histórico da Pesquisa Nacional de Canais de Denúncias

A 10ª edição da Pesquisa Nacional de Canais de Denúncias (“Pesquisa”)[1], realizada pela Aliant[2], apresenta um panorama abrangente da evolução desses mecanismos no Brasil desde o início de suas publicações em 2015. A pesquisa analisa mais de 2 milhões de denúncias de 1.000 empresas em 15 países, com foco em 235.677 registradas nos canais da Aliant em 2024, revelando como o perfil das denúncias se transformou ao longo do tempo.

Para ilustrar essa evolução, a Aliant explorou os contextos políticos, sociais e legislativos que influenciaram o conteúdo das denúncias recebidas. Um marco fundamental foi a Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013), que, ao responsabilizar objetivamente as empresas por atos ilícitos contra a administração pública, impulsionou a adoção de canais de denúncia como ferramenta essencial no combate à corrupção no setor privado[3]. Sua existência tornou-se um critério relevante para a redução de sanções, incentivando as organizações a implementarem esse tipo de ferramenta[4].

Nesse sentido, a Aliant destaca que quando as pesquisas se iniciaram, em 2015, o foco das denúncias recebidas pelas organizações era a corrupção e a fraude. No entanto, a partir de 2020, observou-se um aumento significativo nas denúncias relacionadas a “Relacionamento Interpessoal“. De acordo com a pesquisa, a pandemia da COVID-19 desempenhou um papel crucial nessa mudança, uma vez que a vulnerabilidade emocional e econômica dos colaboradores durante o isolamento foi um fator agravante.

II. Principais achados da 10ª edição da Pesquisa Nacional de Canais de Denúncias

A partir de 2020, questões como saúde mental, condições inadequadas de trabalho e abuso de autoridade ganharam destaque nos canais de denúncia. Atualmente, 48,8% das denúncias registradas nos canais da Aliant se enquadram na categoria “Relacionamento Interpessoal“, abrangendo práticas abusivas (e.g., assédio moral, agressão), desvio de comportamento, relacionamentos íntimos (com ou sem subordinação), assédio sexual e discriminação:

Enquanto isso, houve redução significativa na categoria de “Não conformidade às políticas, normas e procedimentos internos”, que indica, de acordo com a Pesquisa, maior maturidade (i) das organizações, que desenvolveram e colocaram em prática códigos, normas e políticas específicas, e (ii) do relator, que passou a identificar corretamente a situação vivenciada.

Outro fator avaliado pela Aliant foi o perfil de conclusão das denúncias, que podem ser classificadas como “procedente”, “não procedente”, “não conclusivo”, “fora do escopo” e “dados insuficientes”. Assim como em 2019, em 2024 foi possível observar uma diminuição na procedência das denúncias, diretamente relacionada ao aumento das denúncias classificadas como “não conclusivas” ou “fora do escopo”.

De acordo com a Aliant, referido aumento pode indicar uma necessidade de melhoria dos processos de investigação, que devem ser mais robustos de coleta e análise de evidências, com ampliação de treinamentos acerca da utilização dos canais de denúncias.

A pesquisa da Aliant também avalia a gravidade e relevância das denúncias, classificando-as em quatro níveis de impacto: baixo, médio, alto e crítico. Essa avaliação considera o tema, o conteúdo e as potenciais consequências de cada denúncia para a organização. Em 2024, os cinco principais temas das denúncias classificadas como de alto e crítico impacto foram:

A pesquisa revela um aumento significativo nas denúncias de assédio sexual ao longo dos anos. Enquanto as denúncias gerais cresceram 118,6% nos últimos cinco anos, as denúncias de assédio sexual aumentaram 387,6%, tendo em vista o aumento da conscientização e regulações mais rigorosas, sobretudo impulsionadas pela pandemia da COVID-19 e por outros fatores sociais relevantes. Das denúncias de assédio sexual apuradas, as que são concluídas como “procedente”, “não procedente” e “não conclusivas” representam números maiores do que as denúncias de outros temas.  

Em relação à remediação, enquanto as medidas educativas ou preventivas representam mais de 50% dos casos gerais, elas somam 14% para os casos de assédio sexual. Para estas denúncias, as medidas de demissão com e sem justa causa são as mais aplicadas, representando 63,5%. Com esses dados, a pesquisa reforça que as consequências das denúncias servem como balizadores para os colaboradores acerca da efetividade e confiabilidade dos canais de denúncias.

III. Conclusão

Apesar da necessidade de aprimoramento dos processos investigativos, o crescimento expressivo das denúncias sobre relacionamento interpessoal indica uma maior conscientização dos colaboradores, possivelmente influenciada pela Lei nº 14.457/2022 (Programa Emprega + Mulheres)[5], que instituiu medidas de prevenção e combate ao assédio sexual e outras formas de violência no ambiente de trabalho, atribuindo à CIPA a responsabilidade de garantir a implementação dessas medidas[6].

Um outro dado significativo revela que as mulheres se tornaram a maioria no uso de canais de denúncia em empresas privadas. Em 2023, elas representaram 51% das denúncias registradas, uma tendência que a Aliant já observava desde 2019. Esse aumento na participação feminina demonstra um crescimento na confiança das mulheres em utilizar esses canais.

Em 2024, essa tendência se consolidou, com as mulheres representando 53,2% das denúncias, confirmando sua predominância nos canais de denúncia. A maior representatividade de mulheres como denunciantes pode ser um reflexo das recentes mudanças legislativas relacionadas a equidade de gênero, como o exemplo já mencionado da Lei nº 14.457/2022, que alterou a CLT para garantir o aumento da inserção e a manutenção das mulheres no mercado de trabalho.

A pesquisa da Aliant confirma a transição das hierarquias tradicionais para estruturas organizacionais mais flexíveis, em que diversidade cultural, de gênero, racial e geracional são elementos centrais. Empresas que se adaptam a essa nova realidade tendem a ter benefícios, inclusive financeiros. Estudos da McKinsey, referenciados na pesquisa, comprovam essa relação: empresas com diversidade de gênero e étnica apresentam melhores resultados financeiros[7], enquanto a diversidade cultural impulsiona a inovação e a resiliência organizacional[8].


[1] Disponível em: https://conteudos.aliant.com.br/lp-pesquisa-nacional-canais-de-denuncias-2025; Acesso em 19/02/2025;

[2] A Aliant é uma plataforma de soluções digitais para as áreas de governança, riscos & compliance, cibersegurança, privacidade e ESG, que oferece diversas ferramentas, entre elas: canais de comunicação para acolhimento de denúncias e incidentes, sistemas de gestão de compliance e continuidade de negócios, diligências e monitoramento de colaboradores, clientes e parceiros.

[3] Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira;

[4] Art. 7º Serão levados em consideração na aplicação das sanções: (…) VIII – a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica.

[5] Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2022/lei/L14457.htm; Acesso em 26/02/2025.

[6] A Lei não determina que as investigações de casos de assédio e/ou discriminação sejam realizadas por membros da CIPA, mas sim que os membros são responsáveis por se certificar que as medidas para mitigação de riscos relacionados à segurança e assédio estão sendo adotadas dentro das organizações.

[7] Estudo McKinsey & Company: “Why diversity matters” (2015). Disponível em: https://www.mckinsey.com/capabilities/people-and-organizational-performance/our-insights/why-diversity-matters; Acesso em 25/02/2025.

[8] Estudo McKinsey & Company: “Delivering through diversity” (2018). Disponível em: https://www.mckinsey.com/capabilities/people-and-organizational-performance/our-insights/delivering-through-diversity; Acesso em 25/02/2025. 


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