Thomas Greco, Ana Carolina Corrêa e Gabriela Alves
O Supremo Tribunal Federal (“STF”) definiu, em 26 de junho de 2025, que é parcialmente inconstitucional a regra do artigo 19 do Marco Civil da Internet (“MCI” – Lei 12.965/2014), que determina que os provedores de aplicações de internet só podem ser responsabilizados civilmente por danos causados por conteúdos de terceiros após descumprirem ordem judicial de remoção.[1] Por maioria de votos, prevaleceu o entendimento de que o dispositivo é parcialmente omisso, uma vez que “não confere proteção suficiente a bens jurídicos constitucionais de alta relevância”.
Destacamos os seguintes efeitos decorrentes do acórdão proferido pelo plenário do STF[2]:
- Crimes contra a honra: nesses casos, permanece a regra já prevista no artigo 19 do MCI, com a necessidade de ordem judicial para responsabilização das plataformas para eventual indenização. Porém, se o Judiciário entender que determinado caso é de crime contra a honra e determinar a remoção, os provedores devem remover publicações com conteúdo idêntico, a partir de simples notificação extrajudicial, sem necessidade de novas decisões judiciais;
- Crimes gravíssimos específicos:[3] nesses casos, a plataforma deve zelar para que conteúdos dessa natureza não sejam sequer publicados. Nesses casos, aplica-se o chamado “dever de cuidado”, de modo que a plataforma deve atuar de maneira diligente e proativa para que esse tipo de conteúdo não circule, independentemente de qualquer notificação ou ordem judicial. A responsabilização por descumprimento desse dever de cuidado ocorrerá apenas quando houver falha sistêmica do provedor – isso é, quando o provedor deixar de adotar medidas adequadas para prevenir ou removê-los. A mera existência de um conteúdo ilícito isolado não basta para gerar responsabilidade;
- Crimes em geral: com a decisão do STF, houve ampliação do artigo 21, que originalmente responsabilizava os provedores de aplicações de internet apenas quando, muito embora notificados extrajudicialmente sobre materiais contendo cenas de nudez ou atos sexuais de caráter privado, não removiam esses conteúdos ilícitos. Agora, essa responsabilidade se estende a todos os crimes e atos ilícitos presentes nas plataformas, inclusive no caso de contas falsas. Ou seja, quando os provedores forem notificados extrajudicialmente sobre qualquer conteúdo ilegal existente em suas plataformas e não tomarem providências para removê-lo, poderão ser responsabilizados.
- Presunção de responsabilidade em casos específicos: em duas hipóteses específicas, há presunção de que a plataforma detenha conhecimento da ilicitude e, dessa forma, poderá ser responsabilizada mesmo sem ordem judicial ou notificação privada: (a) em anúncios ou impulsionamento pago de conteúdos, considerando que nesses casos a plataforma aprovaria previamente a publicidade; e (b) quando detectado o uso de redes artificiais de distribuição ilícitas por meio da utilização de robôs.
Importante ressaltar que em todos os casos a responsabilidade é subjetiva, ou seja, demanda análise de culpa ou dolo da plataforma.
Além disso, a decisão estabelece que os provedores de aplicações de internet deverão criar regras relacionadas à: (i) implementação de sistema de notificação, para que usuários possam realizar denúncias de crimes e atos ilícitos; (ii) disponibilização de canais de atendimentos; (iii) implementação de devido processo que permita que os usuários entendam os fundamentos das decisões de remoção; e (iv) elaboração de relatórios de transparência com dados de atuação de remoção de conteúdo, notificações extrajudiciais, anúncios e impulsionamentos.
Os efeitos do acórdão do STF são aplicáveis prospectivamente, ou seja, a partir de sua publicação, de modo a garantir a segurança jurídica.
[1] Tese de repercussão geral nos Recursos Extraordinários 1037396 (Tema 987) e 1057258 (Tema 533) – Disponível em https://noticias.stf.jus.br/postsnoticias/stf-define-parametros-para-responsabilizacao-de-plataformas-por-conteudos-de-terceiros/
[2] https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/Informac807a771oa768SociedadeArt19MCI_vRev.pdf
[3] Essa regra se aplica aos seguintes crimes: (a) condutas e atos antidemocráticos que se amoldem aos tipos previstos nos artigos 286, parágrafo único, 359-L, 359- M, 359-N, 359-P e 359-R do Código Penal; (b) crimes de terrorismo ou preparatórios de terrorismo, tipificados pela Lei nº 13.260/2016; (c) crimes de induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação, nos termos do art. 122 do Código Penal; (d) incitação à discriminação em razão de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, sexualidade ou identidade de gênero (condutas homofóbicas e transfóbicas), passível de enquadramento nos arts. 20, 20-A, 20-B e 20-C da Lei nº 7.716, de 1989; (e) crimes praticados contra a mulher em razão da condição do sexo feminino, inclusive conteúdos que propagam ódio às mulheres (Lei nº 11.340/06; Lei nº 10.446/02; Lei nº 14.192/21; CP, art. 141, § 3º; art. 146-A; art. 147, § 1º; art. 147-A; e art. 147-B do CP); (f) crimes sexuais contra pessoas vulneráveis, pornografia infantil e crimes graves contra crianças e adolescentes, nos termos dos arts. 217-A, 218, 218-A, 218-B, 218-C, do Código Penal e dos arts. 240, 241-A, 241- C, 241-D do Estatuto da Criança e do Adolescente; g) tráfico de pessoas (CP, art. 149-A).
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