Ana Corrêa e Mariana Bonuccelli
De acordo com o Ministério Público do Trabalho (“MPT”), até 1º de outubro de 2024 foram registradas 513 denúncias[1] de assédio eleitoral no Brasil, com Bahia, São Paulo, Paraíba e Goiás liderando o ranking de casos. O número chama atenção por ser, aproximadamente, sete vezes maior do que o número de denúncias registradas até o primeiro turno das eleições de 2022, período em que foram realizadas 68 denúncias.
O aumento destes números já era perceptível nos últimos anos eleitorais. O MPT divulgou[2] ter recebido, em 2022, 3.606 denúncias de assédio eleitoral, número significantemente superior ao registrado em 2018, quando foram recebidas 212 denúncias. O número de empresas denunciadas também aumentou, passando de 98 em 2018 para 2.544 empresas denunciadas em 2022.
Nesse sentido, a crescente do número de denúncias de assédio eleitoral nos últimos dois anos eleitorais demonstra que o assédio eleitoral ainda é muito presente no cotidiano do ambiente de trabalho.
O assédio eleitoral é exercido por meio de pressão praticada para manipular ou influenciar orientação ou manifestação política de indivíduos no ambiente de trabalho, em violação ao exercício da cidadania e do direito ao voto, previstos nos artigos 1º e 5º, inciso VIII, da Constituição Federal. A assimetria presente no vínculo entre empregado e empregador, e um mercado de trabalho competitivo, com vagas escassas, são fatores que podem contribuir para essa prática.
A Resolução nº 355, do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), em seu artigo 2º, estabelece que é considerado “assédio eleitoral toda forma de distinção, exclusão ou preferência fundada em convicção ou opinião política no âmbito das relações de trabalho, inclusive no processo de admissão”[3]. Ademais, o parágrafo único do mesmo artigo prevê que “configura, igualmente, assédio eleitoral a prática de coação, intimidação, ameaça, humilhação ou constrangimento, no intuito de influenciar ou manipular o voto, apoio, orientação ou manifestação política de trabalhadores e trabalhadoras no local de trabalho ou em situações relacionadas ao trabalho”.
Importante mencionar que, considerando a indivisibilidade do meio ambiente de trabalho, todas as pessoas nele inseridas podem ser vítimas de assédio eleitoral – a prática não fica restrita àqueles que tenham estabelecido vínculo formal de trabalho, como, por exemplo, celetistas, mas inclui, também, trabalhadores que tenham rescindido o emprego, voluntários, estagiários, terceirizados, e até mesmo aqueles que buscam vagas de empregos. Ainda, é válido destacar que o assédio eleitoral não depende de hierarquia, podendo ser praticado, também, entre colegas de trabalho, representantes de empresas e por terceiros.
O fato de a sua prática atingir diversas pessoas inseridas no ambiente de trabalho faz com que o clima organizacional da empresa seja afetado negativamente. A prática pode resultar em reações fisiológicas e comportamentais, a exemplo de estresse, ansiedade, medo e coerção, além de promover um ambiente com conflitos e com chances de alta rotatividade de funcionários.
Esse cenário demanda, portanto, eficaz atuação da empresa, em especial das áreas de Recursos Humanos e Compliance no tratamento dessas situações. Dentre os maiores obstáculos enfrentados, destaca-se a capacidade de identificação de situações de assédio eleitoral. Nesse sentido, importante enfatizar algumas potenciais situações que podem configurar tal prática[4]:
- Promessa ou concessão de qualquer benefício ou vantagem (e.g., aumento de salário, promoção de cargo) em razão de voto em determinado candidato(a);
- Ameaças de prejuízo das condições de trabalho ou demissão, caso o funcionário não cumpra com a votação no candidato(a) indicado(a);
- Permitir distribuição de material de propaganda eleitoral nos locais de trabalho e de descanso;
- Impor o uso de vestimentas (e.g., camisetas, bonés) que façam alusão à determinada campanha eleitoral;
- Permitir reuniões e propagar discursos, inclusive em mídias sociais, que incentivem a discriminação com base na orientação política contrária; e
- Realizar pesquisas relacionadas ao processo eleitoral no ambiente de trabalho.
Existem diversas práticas e ferramentas que podem ser adotadas para que a empresa possa garantir o seu bem-estar organizacional. De início, as empresas devem observar se a sua governança corporativa é robusta e suficiente no que diz respeito à prevenção do assédio eleitoral, podendo ser necessária a implementação e aprimoramento de regras, políticas e procedimentos internos que tenham como objetivo a mitigação de tal prática.
Nesse sentido, como elemento basilar de uma estrutura de Compliance, o Código de Ética deve prever expressamente a coibição do assédio eleitoral, trazendo, ainda que de forma breve, definição e regras aplicáveis que devem ser seguidas pelos colaboradores. Tais previsões enfatizam o compromisso da empresa com a liberdade de expressão dos colaboradores e com a democracia.
Ainda, a empresa pode prever limites sobre a manifestação política de seus colaboradores no ambiente de trabalho. Um exemplo frequentemente adotado é deixar claro que os colaboradores não devem vincular o nome da empresa a qualquer atividade partidária ou manifestação política (e.g., uma fala, uma publicação em rede social).
É importante também haver previsão acerca de contribuições ou doações políticas, principalmente no que diz respeito a alta liderança. A doação e até mesmo uma declaração da alta liderança pode sugerir eventual apoio ou vínculo da empresa com determinado partido ou candidatura. Assim, pode ser estabelecida a necessidade de que, a partir de determinado nível hierárquico, os colaboradores informem a área de compliance acerca da intenção de realizar a doação política.
Após o estabelecimento das diretrizes, importante que a empresa (i) realize treinamentos para conscientizar os colaboradores acerca das previsões contidas nos Códigos de Ética e nas políticas que abordam o tema, (ii) ofereça cursos e palestras, em períodos eleitorais, sobre a temática, (iii) realize ações de comunicação sobre assédio eleitoral envolvendo colaboradores, terceiros e parceiros, dentre outras ações, sempre com cautela, para que não haja qualquer tipo de constrangimento.
É necessário haver um canal de denúncias efetivo, e que haja treinamento adequado aos colaboradores que irão recepcionar, tratar e investigar tais denúncias. Assim, é importante que a área esteja preparada para receber questões e denúncias relacionadas ao tema de assédio eleitoral.
A empresa pode, também, defender suas pautas e incentivar a participação dos colaboradores, por meio (i) do comprometimento com agendas transversais (e.g., políticas públicas relevantes), (ii) da participação em articulações coletivas (e.g., ONGs, movimentos sociais), (iii) da divulgação de iniciativas, como monitoramento de plano de governo, (iv) do incentivo ao estudo de pautas prioritárias, (v) da garantia da jornada flexível em dias de eleições, dentre outros.
Importante mencionar que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) entendeu que a utilização de peças publicitárias institucionais para favorecer indiretamente candidatos e campanhas eleitorais configura crime de abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação. Assim, as empresas não devem realizar ações a favor ou que possam ser vinculadas a candidaturas específicas. Da mesma forma, as empresas devem estar atentas para que suas estruturas não sirvam de apoio ou sejam utilizadas em atos de campanha eleitoral (e.g., empréstimo de veículos).
Nesse contexto, em julho deste ano, uma empresa foi condenada por assédio eleitoral após ter realizado palestra que induzia seus funcionários a votarem em determinado candidato nas eleições presidenciais de 2022. Apesar de possuir conteúdo aparentemente informativo, o MPT entendeu que a palestra trazia dados e informações que sugeriam que a reeleição do candidato na presidência seria a “melhor opção para o país”. Por mais que a empresa tenha se defendido alegando que a palestra tinha como intuito expor o cenário político do momento, o entendimento firmado foi o de que o evento teria violado o exercício da cidadania e o pluralismo político dos colaboradores[5].
O número de denúncias relacionadas ao assunto tem a tendência de se tornar cada vez mais expressivo, demandando, portanto, uma maior preocupação das empresas na implementação de boas-práticas para coibir e mitigar a sua prática. Assim, o assédio eleitoral não deve ser foco de atenção somente em períodos eleitorais.
Nesse sentido, é por meio de um robusto Código de Ética, com previsões e limitações, bem como por meio de ações de incentivo e de boas-práticas empresariais, que empresas conseguirão implementar medidas eficazes para fornecerem um espaço sadio e que preze pela liberdade política e, consequentemente, que mitigue casos de assédio eleitoral.
[1] Painel de Assédio Eleitoral do Ministério Público do Trabalho – Disponível em: https://www.prt13.mpt.mp.br/images/Apresenta%C3%A7%C3%A3o_PAINEL_AssedioEleitoral__02-10-24_compressed.pdf. Acesso em 16 de setembro de 2024.
[2] Documentário Assédio Eleitoral do Ministério Público do Trabalho – Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=zz5-4r0TK1E. Acesso em 16 de setembro de 2024.
[3] Conselho Superior da Justiça do Trabalho. Resolução nº 355, de 28 de abril de 2023. Disponível em: https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/215819/2023_res0355_csjt_rep01.pdf?sequence=2&isAllowed=y. Acesso em 16 de setembro de 2024.
[4] Disponível em: https://mpt.mp.br/pgt/publicacoes/cartilhas/assedio-eleitoral-no-trabalho/@@display-file/arquivo_pdf. Acesso em 16 de setembro de 2024.
[5] Disponível em: https://g1.globo.com/sp/campinas-regiao/noticia/2024/07/05/ype-e-condenada-por-assedio-eleitoral-ao-fazer-palestra-para-persuadir-funcionarios-a-votarem-em-bolsonaro.ghtml; https://www.prt24.mpt.mp.br/2-uncategorised/2038-empresa-detentora-da-marca-ype-e-condenada-por-assedio-eleitoral. Acesso em 16 de setembro de 2024.
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