1. INTRODUÇÃO
Em 15 de outubro de 2024, a Controladoria-Geral da União (“CGU”) publicou o segundo volume do seu Guia “Programa de Integridade: Diretrizes para Empresas Privadas” (“Novo Guia”). O volume anterior, de mesmo nome e publicado em 2015 (“Guia de 2015”), teve como objetivo auxiliar as empresas a implementarem e aperfeiçoarem seus programas de integridade, com base na Lei nº 12.846/2013 e nas suas normas regulamentadoras.
De acordo com o Novo Guia, a CGU entende que, desde a publicação do Guia de 2015, o Brasil e o mundo passaram por mudanças significativas, que exigiram adaptações no que se refere ao entendimento sobre Programa de Integridade. Dentre as alterações legislativas e regulamentares mencionadas pelo Novo Guia, destacamos as seguintes:
- O Decreto nº 11.129/2022, que regulamenta a Lei nº 12.846/2013 e que em seu art. 56, II incluiu na definição de “programa de integridade” o objetivo de “fomentar e manter uma cultura de integridade no ambiente organizacional” e, ainda, aumentou para 5% o percentual de atenuação do valor da multa que uma empresa pode atingir pela apresentação de evidências de seu Programa de Integridade (art. 23, V); e
- A Lei nº 14.133/2021 (“Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos”), que estabelece a obrigatoriedade de implementação de Programa de Integridade pelo licitante vencedor nas “contratações de grande vulto” (art. 25, §4º); que incluiu o Programa de Integridade como: (i) critério de desempate em licitações (art. 60, IV); (ii) como condição de reabilitação de empresas declaradas inidôneas (art. 163, parágrafo único); e (iii) como elemento a ser considerado na aplicação de sanções (art. 156, §1º).
O Novo Guia também menciona a necessidade de se ampliar a noção de “integridade empresarial” para incluir temas relacionados a boas práticas ambientais, sociais e de governança. Em síntese, em seu Novo Guia, a CGU ressalta que o Programa de Integridade pressupõe não apenas a adoção de medidas para evitar ocorrência de irregularidades, mas também “a adoção de ações positivas que promovam a ética, a boa governança, o respeito aos direitos humanos e sociais e a preservação do meio ambiente, de modo a contribuir com o desenvolvimento sustentável da empresa e da sociedade na qual ela está inserida”.
A CGU esclarece que o Novo Guia não foi publicado com a intenção de substituir o Guia de 2015. Ao contrário, ambos permanecem vigentes e a CGU recomenda a utilização de ambos para implementação e aperfeiçoamento de Programas de Integridade.
2. ELEMENTOS QUE COMPÕEM UM PROGRAMA DE INTEGRIDADE DE ACORDO COM O NOVO GUIA DA CGU
Para aqueles que já tinham alguma familiaridade com o Guia de 2015, um aspecto chama atenção já na leitura do sumário: a CGU deixou de adotar a terminologia “pilares de um Programa de Integridade”.
Desde logo, a CGU esclarece no Novo Guia que, ainda que não tenha sido intencional, o emprego do termo “pilares” poderia sugerir “ideia de rigidez e permanência que não condiz com o Programa de Integridade”. Nesse sentido, a CGU passa a falar em “elementos” de um Programa de Integridade que, de maneira dinâmica e interdependente, formam um sistema voltado para (i) prevenção, detecção e remediação de riscos para integridade; e (ii) desenvolvimento e manutenção de uma cultura de integridade.
A seguir reunimos os elementos que, segundo o Novo Guia da CGU, devem ser levados em consideração na implementação e no aperfeiçoamento de Programas de Integridade de empresas privadas.
a. GOVERNANÇA CORPORATIVA
O Novo Guia destaca que uma estrutura de governança bem delineada passa a ser considerada como um elemento do Programa de Integridade, considerando o seu papel fundamental para a construção de uma cultura organizacional ética e para promoção de integridade da organização.
Independentemente do porte, do perfil e das características de cada empresa, o Novo Guia sugere que todas as empresas tenham “estrutura de direção e controle bem delineada, com atribuições e responsabilidades claramente definidas e acessíveis às partes interessadas”. Isso porque, uma estrutura robusta de governança contribui para a implementação e supervisão de um Programa de Integridade sólido e eficiente.
O Novo Guia apresenta cinco recomendações de governança, voltadas para o aperfeiçoamento dos Programas de Integridade:
- Avaliar a adequação da estrutura de governança em relação ao porte, às atividades e às demandas regulatórias;
- Analisar se as atribuições e responsabilidades dos agentes e órgãos que compõem a estrutura de governança estão suficientemente detalhadas nas normas da empresa e se são divulgadas internamente;
- Certificar a presença de instrumentos que viabilizem a supervisão do Programa de Integridade pela estrutura de governança;
- Avaliar a possibilidade de promover diversidade na composição dos órgãos de governança; e
- Promover transparência, divulgando interna e externamente a composição de suas estruturas e informações sobre os indivíduos que as compõem.
b. O PAPEL DA LIDERANÇA
O Guia de 2015 já trazia como “pilar” de um Programa de Integridade o apoio e o comprometimento da alta direção de uma organização. De acordo com o Guia de 2015, esse apoio se daria pela inclusão do Programa de Integridade em discursos da alta direção, bem como em suas reuniões e em seus encontros com outros colaboradores e líderes da empresa. De forma breve, o Guia anterior também indicava que no caso de indícios de irregularidades, a alta direção não poderia ser omissa na aplicação de medidas disciplinares e deveria garantir meios para que fossem realizados os aprimoramentos necessários do Programa.
O Novo Guia traz uma abordagem mais profunda e prática sobre o papel desempenhado pela liderança na promoção de integridade. Para além dos pontos trazidos pelo Guia de 2015, o Novo Guia estabelece que o comprometimento da alta direção deve estar refletido, ainda, na contratação, remuneração e qualificação da alta liderança, conforme abaixo:
- Nos processos de seleção para cargos da alta direção, devem ser considerados o histórico dos candidatos com relação a casos de corrupção, fraudes, assédios, violações de direitos humanos ou práticas de danos ambientais que possam impactar a credibilidade e a confiança em relação aos compromissos da empresa com a formação de uma cultura de integridade.
- A empresa deve considerar incluir critérios de atingimento de metas de desempenho relacionados ao Programa de Integridade na remuneração da liderança. O Novo Guia recomenda, inclusive, o desenvolvimento de mecanismos que inviabilizem o pagamento de bônus para membros da alta direção que pratiquem irregularidades ou se omitam diante delas.
- A empresa deve considerar definir como um critério para contratações para cargos da alta liderança o conhecimento técnico sobre temas relacionados à integridade.
c. INSTÂNCIA RESPONSÁVEL PELO PROGRAMA DE INTEGRIDADE
O Guia de 2015 também já trazia como um dos “pilares” do Programa de Integridade a existência de uma instância responsável pelo programa, que deve ser dotada de autonomia e de recursos humanos e financeiros para desempenhar seu papel.
O Novo Guia é mais detalhado em diversos aspectos. Por exemplo, a CGU lista as atividades tipicamente atribuídas à instância responsável pelo Programa de Integridade, independentemente da sua forma de estruturação ou do porte ou complexidade das operações da empresa. Alguns exemplos são: (i) realizar análise de risco de integridade; (ii) elaborar e atualizar as políticas de integridade e garantir a sua correta aplicação; (iii) disseminar a cultura de integridade na organização e entre os parceiros de negócios, por meio de ações de comunicação e treinamento; (iv) participar de processos de tratamento e investigação de denúncias de irregularidades; (v) prover a alta direção com informações sobre riscos identificados; e (vi) monitorar a aplicação do programa e desenvolver indicadores e metas de desempenho.
Além disso, o Novo Guia fornece exemplos de aspectos que contribuem para conferir autonomia e autoridade para a instância responsável pelo Programa de Integridade. São eles:
- Formalização: a instância responsável pelo Programa de Integridade deve ser definida formalmente, aprovada pelo “mais elevado nível hierárquico da empresa” e deve indicar as suas atribuições e as instâncias, a forma e a periodicidade de seu reporte.
- Recursos: assim como já indicava o Guia de 2015, o Novo Guia recomenda que a instância responsável pelo Programa de Integridade seja munida de recursos financeiros, materiais e humanos para exercer suas atividades. O Novo Guia traz detalhamento de formas de assegurar a disponibilidade de recursos, por exemplo garantindo a participação da instância responsável na elaboração do orçamento da área; e assegurando que eventual contingenciamento no orçamento destinado ao Programa seja proporcional ao praticado para outras áreas da empresa.
- Qualificação: ainda que não recomende formação específica para os profissionais responsáveis pelo Programa, o Novo Guia sugere que aposição exige um conhecimento multidisciplinar, boa comunicação oral e escrita, e experiência em gestão de riscos, regulação e controles internos, com formação de nível superior.
- Hierarquia: o NovoGuia sugere que a instância responsável pelo Programa ocupe um patamar elevado na estrutura hierárquica da empresa e seja, ao menos, equivalente às demais áreas que tratam de temas relacionados ao Programa (tais como departamento jurídico, auditoria interna, departamento contábil-financeiro etc.).
- Reporte: deve ser garantido reporte direto ao nível hierárquico mais alto da empresa e recomenda-se que a instância responsável pelo Programa de Integridade produza relatórios de reporte periódicos.
- Supervisão: a instância responsável pelo Programa de Integridade deve ser supervisionada pela alta direção e observar indicadores e metas (inclusive pela auditoria interna, se existente).
Outro ponto que merece destaque são as recomendações específicas para empresas multinacionais e grupos econômicos. Com relação às primeiras, o Novo Guia ressalta a importância de que o Programa de Integridade tenha aplicação prática considerando a realidade brasileira. Ou seja, devem existir políticas, ações de comunicação, treinamentos e canais de denúncias no idioma local e adaptados à legislação brasileira. Com relação às estruturas de grupos econômicos, o Novo Guia ressalta a importância de haver clareza e divulgação sobre as instâncias responsáveis pelo Programa de Integridade local e eventuais interações entre todas as instâncias nos diferentes níveis do grupo.
Ademais, de acordo com o Novo Guia, não se deve confundir a instância responsável pelo Programa de Integridade com eventuais órgãos colegiados na estrutura de governança de empresas que tratam de temas relacionados à integridade e ética, tais como comitês de ética. A instância interna é a responsável por colocar em prática e garantir a aplicabilidade do Programa de Integridade, enquanto os Comitês e equivalentes são órgãos de deliberação e assessoramento. Portanto, são estruturas que conversam entre si, mas que não se confundem.
Por fim, o Novo Guia desencoraja a terceirização integral da função de responsável pelo Programa de Integridade, ressalvando a possibilidade de se terceirizar parte dessas funções. Em síntese, o Novo Guia recomenda que a posição deve ser ocupada por profissionais presentes no dia a dia da empresa, que sirvam como exemplo de conduta e que possuam estatura, autonomia, autoridade, e confiança dentro da organização.
d. GESTÃO DE RISCOS PARA INTEGRIDADE
A “análise de perfil e riscos” já era considerada como um pilar de um Programa de Integridade pelo Guia de 2015, que recomenda que o Programa seja implementado levando em consideração o porte e as especificidades da empresa, além das seguintes informações a respeito do seu perfil: (i) setores de atuação no Brasil e no exterior; (ii) estrutura organizacional; (iii) quantidade de colaboradores; (iv) nível de interação da empresa com a administração pública; e (v) participações societárias que envolvam a empresa na condição de controladora, controlada, coligada ou consorciada.
Para além das questões a respeito de seu perfil corporativo, o Guia de 2015 recomenda uma avaliação periódica de riscos levando em consideração as características dos mercados em que a empresa atua, sobretudo em relação à probabilidade de ocorrência de fraudes e corrupção e o impacto desses atos na operação da empresa. A partir desse mapeamento de riscos é que devem ser desenvolvidos e/ou atualizados os padrões de conduta esperados dos colaboradores e dos parceiros de negócios.
Apesar de recomendar avaliação dos riscos específicos para cada empresa, o Guia de 2015 já introduziu uma lista de algumas situações de risco tendo em vista às previsões da Lei nº 12.846/2013, tais como: (i) participação em licitações; (ii) obtenção de licenças, autorizações e permissões; (iii) contato com agente público ao submeter-se à fiscalização; (iv) contratação de agentes públicos e ex-agentes públicos; (v) oferecimento de hospitalidades, brindes e presentes a agentes públicos; (vi) estabelecimento de metas inatingíveis e outras formas de pressão em colaboradores; (vii) oferecimento de patrocínios e doações; (viii) contratação de terceiros; e (ix) fusões, aquisições e reestruturações societárias.
O Novo Guia, por sua vez, parte do que já foi recomendado no Guia de 2015, mas vai além: sugere que as empresas devem, periodicamente e sob coordenação da instância responsável pelo Programa de Integridade, “identificar seus riscos para integridade, classificá-los de acordo com probabilidade e impacto, priorizá-los e definir metas mitigatórias, com designação de responsáveis e prazos para a sua implementação”.
Além disso, o Novo Guia fornece uma lista de eventos reais que ensejaram aplicação de sanções, a partir da experiência adquirida pela CGU em processos administrativos de responsabilização – PARs e celebração de acordos de leniência. Ou seja, ao contrário do Guia de 2015, que partia de situações hipotéticas a partir das disposições da Lei Anticorrupção, o Novo Guia fornece exemplos de casos reais que resultaram em sanções aplicadas pela CGU. Recomendamos a leitura completa do material e, em especial, das práticas utilizadas como exemplos, mas reunimos algumas a seguir:
- Concessão de vantagem indevida de pequeno valor a servidor público de baixo escalão para obtenção de certidões;
- Concessão de ingressos de evento esportivo a servidor público;
- Fraudes em projetos culturais fomentados pela Lei Rouanet;
- Compra de relatórios com informações sigilosas extraídas de sistemas internos da Receita Federal;
- Burla à atividade de fiscalização por meio de adulteração de fórmulas e rótulos de produtos e fraudes em testes laboratoriais;
- Apresentação de documento falso para comprovar critério de habilitação em licitação;
- Omissão no cumprimento de obrigações contratuais de supervisão de execução de obra, acobertando irregularidades em favor das empresas executoras de contrato de obra pública.
O Novo Guia inclui também entendimento da Advocacia Geral da União (“AGU”) de que determinadas infrações ambientais praticadas por pessoas jurídicas se enquadram no conceito de comportamento inidôneo para fins do art. 155, X, da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, possibilitando a aplicação de sanção de declaração de inidoneidade para licitar ou contratar. O Novo Guia expressamente recomenda que riscos ambientais também sejam mapeados pelas empresas no contexto de sua gestão de riscos de integridade, sobretudo pelas empresas que contratam ou pretendem contratar com o Poder Público.
e. PADRÕES DE CONDUTA
De acordo com o Novo Guia, a empresa deve definir os padrões de conduta esperados de suas lideranças, colaboradores e principais parceiros de negócio para formar e manter uma cultura de integridade. O Novo Guia sugere que os padrões de conduta empresarial estejam dispostos em um Código de Ética, de maneira principiológica, e em políticas e procedimentos, com regras e fluxos concretos.
Código de Ética
O Guia de 2015 já elencava o Código de Ética como uma importante ferramenta de comunicação da empresa e trazia diretrizes sobre o seu conteúdo e sobre a sua estrutura.
O Novo Guia reforça essa importância e destaca a necessidade de que, por meio de uma linguagem adequada ao público interno e externo da empresa, o Código de Ética: (i) expresse de forma inequívoca, a tolerância zero da empresa práticas corruptas e fraudes; (ii) informe e incentive a utilização dos canais de denúncias da empresa; (iii) preveja, de forma expressa, a possibilidade de aplicação de sanções em razão da violação aos preceitos do Código, independentemente do cargo; (iv) seja aprovado pelo mais elevado nível hierárquico da empresa; e (v) seja facilmente acessível no site da empresa.
O Novo Guia também estabelece a expectativa da CGU de que o Código de Ética estabeleça, de forma expressa (i) o compromisso com direitos humanos e com a preservação do meio ambiente; (ii) a proibição de todas as formas de discriminação e assédio; (iii) a promoção de um ambiente organizacional de acolhimento à diversidade; e (iv) a vedação da exploração do trabalho infantil e da utilização de trabalho análogo à escravidão.
Empresas multinacionais que adotem um Programa de Integridade global devem ter uma versão do Código de Ética disponível em português e adaptada não só ao idioma, como orientava o Guia de 2015, mas também à realidade e à legislação brasileira.
Ademais, caso a empresa adote um Código de Ética específico para terceiros, o Novo Guia estabelece que é importante que sejam explicitadas as condutas esperadas e as não admitidas; que seja prevista a possibilidade de aplicação de sanção ao terceiro em razão de violações éticas; e que haja menção aos canais de denúncia disponíveis para os terceiros.
Políticas e procedimentos
O Guia de 2015 destinava um tópico específico para “Regras, políticas e procedimentos para mitigar os riscos”. No Novo Guia, as políticas e os procedimentos foram englobados nos “Padrões de Conduta” e é dada ênfase à necessidade de que o conteúdo e a estrutura das políticas estejam alinhados às especificidades de cada empresa, embora existam características gerais a serem observadas, como:
- Instituição das políticas por meio de um processo formal com aprovação da alta direção da empresa;
- As políticas devem ser operacionais, de modo a dispor sobre regras, fluxos e procedimentos aplicáveis na rotina da empresa e os respectivos responsáveis pela sua aprovação e eventual revisão;
- As políticas devem estabelecer controles proporcionais aos riscos que pretendem mitigar;
- Documentação e registro das políticas.
O Guia de 2015 já indicava a necessidade de as políticas abordarem conteúdo compatível com a legislação nacional e estar amplamente acessível para os colaboradores e demais interessados em sua aplicação. Essas duas características constam novamente no Novo Guia, mas são acompanhadas de exemplos concretos que facilitam o entendimento do leitor.
Além disso, o Novo Guia, em consideração à nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, apresenta aspectos adicionais aos previstos no Guia de 2015 e que podem ser contemplados considerando especificamente a prevenção de ilícitos nas licitações e contratações públicas:
- Mapear riscos para integridade relacionados à participação na licitação/celebração do contrato;
- Verificar previamente a possibilidade de atender plenamente as condições exigidas para a licitação e para a execução do contrato;
- Indicar os responsáveis por aprovar a participação da empresa em um processo licitatório;
- Informar as condutas esperadas dos colaboradores e terceiros que atuem em seu nome durante o processo de licitação e execução do contrato (e.g. “DOs and DON’Ts);
- Proibir expressamente a combinação de preços ou condições de proposta de licitação com concorrentes;
- Evitar interações com concorrentes que possam aparentar conluio;
- Definir responsáveis (com rotatividade de pessoas) pela interação com agentes públicos para tratar de questões relacionadas à gestão do contrato;
- Definir alçadas internas relacionadas à gestão do contrato a depender da complexidade ou do risco da questão a ser tratada;
- Estabelecer a necessidade de reavaliação periódica dos riscos da contratação;
- Promover transparência em relação às licitações e aos contratos celebrados com a Administração Pública.
Por fim, o Novo Guia estabelece que o Programa de Integridade deve ser implementado com o objetivo de fomentar a cultura de integridade na empresa, de modo que as políticas também devem abordar questões relacionadas à prevenção de assédio e discriminação. Nesse sentido, o Novo Guia recomenda a leitura do “Guia Lilás” da CGU, que dispõe sobre prevenção e tratamento ao assédio moral e sexual e à discriminação no Governo Federal (para mais informações sobre o Guia Lilás acesse aqui o informativo preparado pelo nosso escritório em 20 de abril de 2023). O Novo Guia também recomenda que questões relacionadas aos direitos humanos e à sustentabilidade ambiental sejam abrangidas pelas políticas de integridade da empresa.
f. COMUNICAÇÃO E TREINAMENTO
Embora o Guia de 2015 já elencasse a comunicação e o treinamento como essenciais para a efetividade do Programa de Integridade, o Novo Guia os apresenta como instrumentos para a “inspiração e motivação, de disseminação de valores e de fomento da cultura de integridade”.
O Novo Guia orienta a instância responsável pelo Programa de Integridade a participar das ações de comunicação e treinamento, mesmo que não participe do planejamento, da criação de conteúdo, da aplicação dos treinamentos, da supervisão das atividades ou da escolha do terceiro contratado para a realização dos treinamentos.
Treinamentos
O Novo Guia destaca a importância do desenvolvimento de treinamentos específicos que considerem os principais riscos identificados pela empresa e que sejam direcionados a públicos específicos.
Em consonância com o Guia de 2015, o Novo Guia orienta as empresas a investirem em diferentes modalidades de treinamento para evitar que eles se tornem monótonos e entediantes e traz exemplos de medidas que podem ser adotadas para permitir à empresa avaliar os seus treinamentos:
- Em primeiro lugar, o Novo Guia sugere que a empresa defina com clareza os objetivos dos treinamentos;
- Em seguida e partir da definição do objetivo, a empresa deve planejar os treinamentos, levando em consideração o público-alvo e os riscos específicos identificados pela empresa que serão objeto de determinado treinamento;
- Após a realização do treinamento, a mensuração do impacto, de acordo com o Novo Guia, pode ser feita a partir (i) de comparação de estatísticas; e (ii) da aplicação de testes, simulados, pesquisas de percepção etc., mas não deve ser feita apenas com emprego de métricas quantitativas, mas também qualitativas.
- A ideia é que seja possível concluir, por exemplo, se o treinamento otimizou a aplicação de determinada política; se aprimorou o uso de sistemas ou o conhecimento dos públicos específicos sobre temas tratados no treinamento; se coibiu irregularidades e ilícitos que já haviam ocorrido etc.
Comunicação
O Novo Guia esclarece que além de divulgar a existência e o conteúdo do Programa de Integridade, a comunicação é um instrumento para a promoção de condutas positivas no ambiente organizacional, voltadas ao comportamento ético, ao respeito aos direitos humanos e à diversidade, assim como para a busca de práticas ambientais sustentáveis e voltadas para a cultura de integridade.
Nesse sentido, o Novo Guia reforça que o exemplo é uma ferramenta relevante da comunicação, de modo que deve haver alinhamento entre o conteúdo das mensagens transmitidas, a conduta das principais lideranças e a condução dos negócios da empresa.
Outro aspecto apresentado está relacionado às ações a serem adotadas quando detectadas irregularidades, situação na qual as empresas devem considerar atuar com transparência, clareza e objetividade, manifestando-se de forma inequívoca de que violações éticas não serão toleradas e informando sobre as sanções aplicadas aos envolvidos em irregularidades, sem exposição de indivíduos específicos.
g. CONTROLES CONTÁBEIS
O Guia de 2015 já recomendava a criação de política relativa a registros e controles contábeis e reforçava a importância das regras e controles que assegurem a confiabilidade dos registros contábeis para mitigação de riscos associados a práticas ilícitas coibidas pela Lei nº 12.846/2013.
No mesmo sentido, o Novo Guia estabelece que todas as empresas, independentemente do porte e complexidade, devem dispor de registros e controles contábeis, os quais devem ser suportados por “políticas e procedimentos rigorosos que determinem os fluxos de trabalho dos registros de forma a garantir sua fidelidade e confiabilidade, além de mitigar a possibilidade de fraudes”.
O Novo Guia, traz recomendações mais específicas sobre o tema. Por exemplo, a CGU recomenda que empresas substituam lançamentos manuais e centralizados em poucas pessoas, e optem por investir em soluções tecnológicas e sistemas informatizados, que podem ser customizados de acordo com as necessidades de cada empresa e que permitam o controle de segregação de funções e regras de alçadas de aprovação, a detectação de red flags e a rastreabilidade do histórico de movimentações.
O Novo Guia recomenda, ainda, que as empresas implementem diretrizes que estabeleçam, no mínimo (i) segregação de funções e estabelecimento de fluxo interno para aprovação de movimentações contábeis e financeiras; (ii) mecanismos de alerta para receitas e despesas fora do padrão; e (iii) diretrizes que permitam a verificação de cumprimento do objeto de um contrato para a efetivação do pagamento.
Por fim, o Novo Guia recomenda a constituição de área de auditoria interna ou a contratação desses serviços por empresas especializadas, de modo a assegurar a presença das três linhas de defesa preconizadas por instituições de renome, como o Instituto dos Auditores Internos do brasil e o Committee of Sponsoring Organizations of the Treadway Commission. Para as grandes empresas com operações e processos complexos, o Novo Guia recomenda a realização de auditoria externa independente, mesmo na ausência de obrigação legal.
h. TERCEIROS
O tema de riscos relacionados a terceiros já constava no Guia de 2015 com recomendações sobre o conteúdo esperado de uma política de contratação de terceiros: (i) importância de realização de verificação prévia à contratação par avaliar histórico de envolvimento em atos lesivos; (ii) necessidade de verificar se o terceiro pessoa jurídica possui Programa de Integridade adequado e em linha com os princípios éticos da contratante; (iii) importância de incluir nos contratos com terceiros cláusulas anticorrupção; e (iv) necessidade de realizar verificações periódicas da atuação do terceiro na execução do contrato.
O Guia de 2015 também trazia alguns exemplos de situações hipotéticas que poderiam ser considerados “alertas” para eventual envolvimento em irregularidades, tais como a solicitação de pagamento de maneira não usual (em espécie, em moeda estrangeira etc.); e a utilização de cláusula de sucesso nos contratos com terceiros.
O Novo Guia, por sua vez, introduz o conceito de devida diligência baseada em risco como ferramenta para gestão de terceiros, à luz do disposto no art. 57, XIII do Decreto nº 11.129/2022. Nesse sentido, é estabelecido que conhecer de maneira aprofundada os terceiros com os quais se relaciona é uma ferramenta para, a um só tempo, (i) mitigar riscos de irregularidades; e (ii) escolher parceiros de negócios que compartilham os mesmos valores e comportamentos éticos.
Com relação a esse segundo objetivo, o Novo Guia recomenda que para além das verificações de histórico de prática de atos de corrupção, fraudes e irregularidades nas interações com a administração pública, seja também avaliado o envolvimento de terceiros na prática de outras violações, tais como o desrespeito a direitos humanos e danos ambientais. Da mesma forma, além de consultar os “tradicionais” bancos de dados públicos, como Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (CEIS) e Cadastro Nacional de Empresas Punidas (CNEP), o Novo Guia recomenda consulta a bancos de dados específicos, como Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo, publicado pelo Ministério do Trabalho e Emprego.
Ainda em relação à inclusão de aspectos ESG na gestão de riscos de terceiros, o Novo Guia recomenda a inclusão de cláusulas contratuais específicas que obriguem os terceiros a observarem normas éticas, que vedem a prática de fraude e corrupção, mas também o desrespeito aos direitos humanos, trabalhistas e sociais pelo terceiro contratado.
O Novo Guia também recomenda a periodicidade na supervisão dos terceiros, inclusive durante a execução contratual. Para as contratações que envolvam, ainda que indiretamente, a intermediação de relação com a Administração Pública, o Novo Guia apresenta uma lista atualizada de situações que devem ser consideradas “alertas”, que incluem, por exemplo: solicitação de antecipação de pagamento sem justificativas razoáveis; descontos excessivos ou serviços prestados por valores abaixo do praticado pelo mercado; descrição vaga dos serviços prestados, dentre outros.
i. DETECÇÃO DE IRREGULARIDADES
De acordo com o Novo Guia, uma das principais formas de detecção de irregularidades é por meio da disponibilização de canais de denúncias. O Guia de 2015 dispunha de maneira breve sobre a importância do canal de denúncia e trazia algumas recomendações a seu respeito.
O Novo Guia reúne as seguintes recomendações sobre a estrutura e o funcionamento de um canal de denúncias como ferramenta para detecção de irregularidades:
- O canal deve estar disponível em português, desde o acesso até o momento de realizar o relato. Esse ponto é especialmente importante para empresas multinacionais que adotam Programas de Integridade globais;
- O canal deve ser de fácil acesso para o público interno e externo. A esse respeito, a CGU recomenda disponibilização de um canal para realização de denúncias na página institucional da empresa na internet;
- O canal de denúncias não se confunde com o Serviço de Atendimento ao Cliente – SAC. Nesse sentido, deve constar de maneira clara os tipos de irregularidades que podem ser denunciados por meio do canal (corrupção, fraude, assédio, violações a direitos humanos etc.);
- A empresa deve incentivar a realização de denúncias e indicar expressamente no próprio canal os direitos que são assegurados aos denunciantes, tais como não-retaliação, anonimato e confidencialidade;
- A empresa deve permitir que o denunciante acompanhe o andamento da denúncia, como forma de garantir transparência e credibilidade ao processo de apuração;
- A empresa deve adotar políticas e procedimentos que disponham sobre o processo de tratamento e apuração das denúncias, com indicação clara dos responsáveis por cada etapa e dos fluxos específicos quando a denúncia envolver membros da liderança.
- A empresa, ao detectar uma irregularidade, deve tomar as providências o quanto antes para interromper sua continuidade. Confirmada a prática de irregularidade, o infrator deve ser sancionado de acordo com as políticas de gestão de consequências da empresa.
- É crucial, que haja conscientização de que violações éticas não são toleradas e que infratores, independentemente do cargo, serão punidos.
j. MONITORAMENTO
O quinto e último “pilar” de um Programa de Integridade, de acordo com o Guia de 2015 é justamente o monitoramento contínuo para verificar a efetiva implementação do Programa e possibilitar a identificação de falhas que possam ensejar aprimoramentos. O Guia de 2015 já reunia boas fontes de informações para monitorar a efetividade do Programa; sugestões de questões que a instância responsável pelo monitoramento do Programa deveria responder periodicamente para monitorar, de maneira efetiva, a aplicação do Programa; e outras recomendações gerais sobre medidas a serem adotadas pela empresa.
O Novo Guia apresenta diversas recomendações para empresas realizarem monitoramento para verificar a implementação e efetividade de seus Programas de Integridade, dentre as quais destacamos as seguintes:
- Elaboração de plano de monitoramento;
- Definição dos responsáveis pelo monitoramento;
- Definição de periodicidade para realização do monitoramento;
- Padronização sobre a forma e a periodicidade de apresentação das informações e dos dados obtidos por meio do monitoramento (e.g. relatórios trimestrais ou semestrais);
- Compartilhamento de resultados com níveis hierárquicos mais altos;
- Utilização de indicadores e estabelecimento de metas de desempenho;
- Realização de pesquisas de percepção para avaliar conhecimento e o engajamento dos funcionários ou terceiros;
- Documentação e registro do processo de monitoramento.
Além disso, o Novo Guia orienta as empresas a adotarem metas de desempenho e indicadores compatíveis com as suas características e com o nível de maturidade de seus Programas de Integridade para estimular a adoção de métricas que auxiliem na implementação, no aprimoramento e na avaliação dos Programas. Novo Guia sugere, a título de exemplo, a adoção dos seguintes indicadores:
- Número de funcionários que realizaram o treinamento sobre o Código de Ética ou sobre determinada política no ano;
- Tempo médio gasto para a apuração de denúncias;
- Número de parceiros contratados sem a observância do processo de due diligence no semestre;
- Número e valor médio de presentes, brindes e hospitalidades ofertados a agentes públicos no ano;
- Número de violações a políticas de integridade detectadas no ano;
- Número de auditorias realizadas em terceiros de alto risco;
- Percentual de cumprimento de planos de ação definidas pela Auditoria Interna;
- Percentual de funcionários com percepção positiva em relação ao comprometimento da alta direção com o Programa de Integridade.
A partir desses indicadores, o Novo Guia oferece exemplos de metas de desempenho que podem ser adotadas pelas empresas, sempre levando em consideração as suas características, o seu porte e a natureza das atividades e operações. Por exemplo, para o primeiro indicador (número de funcionários que realizaram o treinamento sobre o Código de Ética ou sobre determinada política no ano), uma possível meta de desempenho poderia ser “treinar 100% dos funcionários do setor de compras sobre a política de diligência de terceiros da empresa”. Em caso de descumprimento das metas, as consequências refletirão nas lideranças responsáveis, impactando a sua remuneração e a sua avaliação de desempenho.
3. CONCLUSÕES
O que se nota com o Novo Guia é uma expansão do conceito de “integridade”, que deixou de simplesmente abarcar a prevenção, a mitigação e a remediação de irregularidades, fraudes e atos de corrupção, e passa a englobar aspectos relevantes relacionados à governança corporativa, defesa dos direitos humanos, proteção do meio ambiente e prevenção de assédio e discriminação no ambiente empresarial.
Por um lado, nos parece salutar que a noção de “integridade” passe a abranger temas tão caros ao Brasil, e à sociedade como um todo. A crescente relevância da agenda ESG demonstra o papel central que as empresas privadas desempenham na conscientização dessa agenda e nos benefícios que dela resultam para além do ambiente empresarial.
Por outro lado, essa expansão conceitual acende um alerta: se essas são as diretrizes da CGU para implementação e aperfeiçoamento de programas de integridade, serão essas também as suas expectativas no contexto de avaliação de programas de integridade em processos administrativos de responsabilização? Será esse o ônus que será imposto às empresas privadas que buscam atenuação do valor de eventual multa administrativa? Não há, porém, até o momento, previsão legal que obrigue as pessoas jurídicas a estruturarem programas de integridade com tal abrangência, embora os benefícios práticos de o fazerem sejam inegáveis.
Nesse sentido, nos parece que poderá caber à CGU o emprego de critérios distintos dos incluídos no Novo Guia para avaliação de programas de integridade realizadas no exercício de suas competências sancionatórias previstas pela Lei nº 12.846/2013 e regulamentação aplicável. Isso não significa, no entanto, que a CGU não pode recompensar os esforços de empresas que adotem programas de integridade com a abrangência proposta no Novo Guia. É dizer: as empresas que optarem por seguir as diretrizes constantes do Novo Guia poderiam ser recompensadas, mas as que não o fizerem, não devem, ao menos até o momento, ser punidas. Dessa forma, as expectativas com relação ao novo volume do “Manual Prático de Avaliação de Programa de Integridade em PAR” seguem altas.
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