Joyce Serra, Mariana Bonuccelli e Ana Clara Zaidan
No último dia 12 de julho de 2024, a Secretaria de Prêmios e Apostas (“SPA”) do Ministério da Fazenda publicou a Portaria SPA/MF 1.143/2024 (“Portaria”), que dispõe sobre políticas, procedimentos e controles internos a serem implementados pelos operadores de apostas de quota fixa para prevenção à lavagem de dinheiro, ao financiamento do terrorismo e da proliferação de armas de destruição em massa (“PLD/FTP”) e de outros delitos correlatos. A edição da referida Portaria estava prevista no cronograma da Agenda Regulatória da SPA instituída pela Portaria SPA/MF 561, publicada no dia 8 de abril de 2024.
As disposições da Portaria foram estruturadas nos seguintes principais capítulos: (i) “do objeto e do âmbito da aplicação”; (ii) “das políticas, procedimentos e controles internos”; (iii) “dos procedimentos relacionados ao envio de comunicações ao Coaf”; (iv) “dos procedimentos de cumprimento imediato de determinações de indisponibilidade de ativos oriundas do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU)”; e (v) “da guarda e da manutenção de registros e documentos”. As disposições mais relevantes foram consolidadas a seguir.
Das políticas, procedimentos e controles internos
A Portaria prevê, em seu capítulo II, a adoção de políticas, procedimentos e controles internos que devem abranger diretrizes, especificações e mecanismos de checagem do seu efetivo atendimento pelo agente operador de apostas.
Políticas e controles internos de PLD/FTP e prevenção a delitos correlatos
O artigo 7º dispõe que as políticas internas de PLD/FTP e prevenção a delitos correlatos devem contemplar, no mínimo, as seguintes diretrizes:
- Definição dos papéis e de responsabilidades acerca das obrigações previstas na Portaria;
- Identificação, avaliação, análise e mitigação de riscos que envolvam novos produtos, serviços ou tecnologias que possam ser utilizados como meios à lavagem de dinheiro e outros delitos correlatos;
- Desenvolvimento, implementação e execução de programa de conformidade que divulgue a cultura da prevenção à lavagem de dinheiro e delitos correlatos; e
- Promoção de atividades periódicas e contínuas para informar e capacitar funcionários, terceiros e prestadores de serviço acerca de matérias referentes a PLD/FTP, integridade, governança e agenda ASG (ou “ESG”) para funcionários, parceiros e prestadores de serviços.
A Portaria destaca que tais políticas e controles internos devem ser publicados no site do operador de apostas, bem como divulgados entre seus funcionários, parceiros e prestadores de serviços. Ademais, consta do artigo 13 a obrigação de documentação, aprovação pelos administradores do agente operador e atualização anual das políticas.
Por sua vez, os artigos 8º e 9º da Portaria trazem as diretrizes mínimas para procedimentos internos e controles internos de PLD/FTP.
Note-se que, conforme indicado no artigo 11, o agente operador de apostas deve encaminhar à SPA um relatório anual com informações referentes às boas práticas adotadas no ano anterior para atender às disposições da Portaria relativas a políticas, procedimentos e controles. O encaminhamento do relatório à SPA deve ocorrer até o dia 1º de fevereiro do ano subsequente.
Procedimentos de Avaliação de Riscos
Já o artigo 14 prevê que os agentes operadores de apostas devem realizar uma avaliação interna anual para identificar e mensurar riscos atrelados aos seus produtos e serviços. O § 2º do referido artigo estabelece que a avaliação deve considerar, no mínimo, os perfis de risco: (i) dos apostadores e usuários da plataforma; (ii) do agente de apostas; (iii) dos funcionários, colaboradores, fornecedores e terceiros; e (iv) das operações, produtos e serviços. A regulamentação enfatiza, em seu artigo 14, § 4º, que as categorias de risco adotadas pelo agente operador devem permitir que medidas reforçadas sejam adotadas em situações de maior risco e medidas simplificadas sejam adotadas em situações de menor risco.
Procedimentos de Identificação, Qualificação e Classificação de Riscos de apostadores, funcionários e terceiros envolvidos
A Portaria ainda traz disposições acerca da identificação, qualificação e classificação de risco de apostadores e usuários da plataforma, bem como de funcionários, parceiros e prestadores terceirizados.
Em relação ao risco de apostadores e usuários da plataforma, a Portaria estabelece que os procedimentos de identificação, qualificação e classificação de risco devem ser formalizados em manual específico, aprovado pelos administradores do agente operador de apostas e atualizado anualmente.
Tais procedimentos devem permitir a verificação e a validação da identidade dos apostadores e usuários da plataforma por parte dos agentes operadores. Nesse sentido, o artigo 16 estabelece que os procedimentos devem permitir a qualificação dos apostadores e usuários de acordo com o perfil de risco, sendo importante que abarquem medidas voltadas à avaliação: da compatibilidade econômico-financeira do apostador com as operações realizadas por ele; da eventual condição do apostador de pessoa politicamente exposta (PEP); e da obtenção de dados cadastrais mínimos do apostador ou usuário, conforme definição das normas da SPA.
Ademais, a Portaria determina, em seu artigo 15, § 2º, que o agente operador de apostas é responsável pela implementação de mecanismos que obstem o cadastramento dos impedidos de apostar.
Já em relação aos funcionários, parceiros e prestadores de serviços terceirizados, o agente operador deve implementar procedimentos de identificação e qualificação, com validação e atualização das informações cadastrais, bem como armazenar tais informações por no mínimo cinco anos, a contar do término do vínculo.
Dos procedimentos relacionados ao envio de comunicações ao Coaf
A Portaria também regulamenta os procedimentos de monitoramento de atividades e de envio de comunicações ao Coaf. O artigo 24 destaca que os procedimentos de monitoramento, seleção e análise dos agentes operadores de apostas devem permitir a identificação e o registro das características, partes e demais envolvidos, valores, modalidade e forma de pagamento das apostas, e operações a elas associadas. A regulamentação também destaca que devem ser objeto de análises especiais: as operações sem fundamento econômico ou legal, as operações incompatíveis com as práticas usuais da atividade ou de mercado e as operações que apresentem possível indício de prática de LD/FTP ou outro delito correlato. O artigo 25, por sua vez, aponta uma lista de situações em que há necessidade de especial atenção às apostas e operações a elas associadas por parte dos agentes operadores de apostas.
O prazo de encerramento dos procedimentos de análise é de 30 dias, contados da data da aposta ou da operação a ela associada. A Portaria indica que o procedimento de análise deve ser documentado e seus registros devem ser retidos para eventual demonstração à SPA.
Ainda em relação ao Coaf, os artigos 27 a 29 da Portaria regulamentam os procedimentos de comunicação ao órgão. A comunicação deve ser realizada via Sistema de Controle de Atividades Financeiras (Siscoaf) até o dia útil seguinte ao da conclusão dos procedimentos de análise da aposta ou operação a ela associada. O agente operador de apostas não deve compartilhar qualquer informação sobre a comunicação ao Coaf com apostador, usuário da plataforma, ou outros envolvidos ou terceiros, sob pena de responsabilização.
Conforme indicado no artigo 27, a comunicação ao Coaf deve contemplar indicação dos elementos em que se baseou a análise da aposta ou operação a ela associada e as razões pelas quais se concluiu pela configuração de indícios de prática de LD/FTP ou outro delito correlato, bem como apontar as características da aposta ou operação, eventual existência de intermediário (se houver) e as informações que se mostrem relevantes para esclarecer a suspeita ou reconhecimento de caráter não usual ou atípico da aposta ou operação. Conforme indica o artigo 30 da Portaria, nos casos em que o agente operador de apostas não identificar, ao longo de um ano, aposta ou outra operação associada que devesse comunicar ao Coaf, deverá enviar comunicação de não ocorrência à SPA.
Da guarda e da manutenção de registros e documentos
Para fins de guarda e manutenção de registros e documentos relacionados ao cumprimento das disposições da Portaria, o artigo 32 estabelece o mínimo de 5 (cinco) anos, sem prejuízo de outros prazos e deveres previstos em legislação.
Dos procedimentos de cumprimento imediato de determinações de indisponibilidade de ativos oriundas do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU)
A Portaria ainda regulamentou a obrigação estabelecida pela Lei 13.810, de 8 de março de 2019, de adoção de procedimentos para cumprir as resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) ou de seus comitês de sanções que determinem a indisponibilidade de ativosde titularidade, direta ou indireta, de pessoas físicas, de pessoas jurídicas ou de entidades submetidas a sanções.
Disposições finais
O descumprimento das disposições previstas na Portaria pode resultar na instauração de processo administrativo sancionador para responsabilizar os agentes operadores e seus administradores. São aplicáveis as sanções previstas no artigo 12 da Lei 9.613/1998, quais sejam: advertência, multa, inabilitação temporária e cassação ou suspensão da autorização para o exercício de atividade.
A Portaria entrou em vigor na data de sua publicação. Por sua vez, as regras de fiscalização, monitoramento e sanção serão implementadas pela Secretaria de Prêmios e Apostas somente a partir de 1º de janeiro de 2025.
A regulamentação do tema cumpre com compromisso do Ministério da Fazenda de promover a Política Regulatória da SPA, ao passo que visa garantir maior conformidade e transparência para prevenção à prática de lavagem de dinheiro e outros crimes no setor de apostas esportivas.
Para mais informações, acesse a Portaria na íntegra aqui.
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