Thiago Borba e Ana Laura Santana
Em 24 de abril de 2025, o Serious Fraud Office (SFO), o órgão britânico especializado no combate à fraude e corrupção, divulgou novas diretrizes sobre formas de cooperação de pessoas jurídicas nas atividades de enforcement da autoridade, com orientações detalhadas para a realização de um reporte voluntário de irregularidades. O documento, intitulado SFO External Guidance on Corporate Co-Operation and Enforcement, define quando e como uma empresa deve reportar possíveis condutas criminosas[1], os padrões esperados de cooperação e as condições para celebração de um Deferred Prosecution Agreement (DPA) com a autoridade.
Os Deferred Prosecution Agreements inaugurados no Reino Unido em 2013, tratam-sede acordos firmados entre o SFO e uma empresa suspeita da prática de crimes econômicos, fraude ou suborno, possibilitando que um processo judicial seja evitado, caso a empresa cumpra determinadas condições, sob supervisão judicial[2]. Esses acordos possibilitam às empresas uma redução nas sanções impostas pela autoridade, assim como a evitarem os efeitos negativos de uma condenação judicial, como danos à reputação ou à continuidade de suas atividades. Contudo, via de regra, DPAs não levam à isenção de multas e tampouco excluem a obrigação de reparação integral dos danos causados. A principal mudança trazida pelas novas diretrizes do SFO é o esclarecimento de que as empresas que realizarem reportes voluntários de forma célere e cooperarem integralmente com as investigações das autoridades poderão, salvo em circunstâncias excepcionais, ser convidadas pelo órgão a negociar um DPA.
As novas orientações do SFO reforçam que o reporte voluntário de irregularidades representa um sinal positivo de integridade corporativa, mas que falhas em realizar o reporte de maneira célere também podem pesar contra a empresa em uma eventual acusação. Uma vez recebida a comunicação, o SFO compromete-se a responder à empresa em até 48 horas, fornecer atualizações regulares sobre o andamento do caso, decidir dentro de seis meses se iniciará uma investigação formal, concluir eventuais investigações em um período razoável e encerrar negociações de um DPA em até seis meses após o convite à negociação.
Para que uma empresa seja elegível a negociar um DPA, é essencial que demonstre “cooperação genuína” com as autoridades. Para esclarecer o que seria essa cooperação, o SFO divulgou uma lista de condutas que serão consideradas nessa análise, incluindo, mas não se limitando a: (i) preservar toda a documentação relevante, eletrônica ou não; (ii) reunir e identificar documentos e informações pertinentes; e (iii) apresentar os fatos de forma completa e transparente. Espera-se ainda que a empresa facilite o acesso do SFO a funcionários para entrevistas, assim como sejam fornecidas informações sobre ações disciplinares, mudança no quadro de colaboradores, situação do programa de conformidade e a adoção de planos de remediação.
Caso a empresa tenha iniciado uma investigação interna, o SFO reforça que a análise do tempo razoável para o reporte voluntário dependerá das circunstâncias do caso, mas destaca que não se espera que a investigação tenha sido concluída antes da comunicação. Ademais, as novas orientações destacam a expectativa de que a empresa mantenha um engajamento prévio com o SFO quanto aos parâmetros para a investigação em andamento. Espera-se também que sejam fornecidas atualizações regulares sobre o progresso do caso, os fatos apurados e os principais achados, além de garantir realização de entrevistas com os funcionários solicitados pelo SFO[3].
Por outro lado, o documento também exemplifica condutas consideradas como “falta de cooperação”, como o uso estratégico de diferentes jurisdições (conhecido como forum shopping[4]), tentativas de ocultar o envolvimento de indivíduos, atrasos intencionais na entrega de informações e o envio excessivo de material irrelevante para dificultar a investigação.
A divulgação dessas diretrizes pelo SFO é particularmente relevante para empresas expostas à legislação do Reino Unido (como o UK Bribery Act, por exemplo) ao esclarecer as expectativas da autoridade diante da realização de um reporte voluntário, estabelecendo importantes parâmetros para a condução de investigações internas direcionadas a reportes ao SFO. Além disso, ao divulgar os critérios considerados para avaliação de cooperação, o SFO incentiva uma postura proativa e transparente por parte das empresas, contribuindo para a efetividade das investigações e o fortalecimento da integridade corporativa. Para acessar as diretrizes na íntegra, clique aqui.
[1] Note-se que, no Reino Unido, pessoas jurídicas podem ser responsabilizadas criminalmente por um maior número de atos ilícitos que no Brasil. Entre tais legislações, destaca-se o UK Bribery Act, que pune pessoas jurídicas (britânicas ou com negócios no Reino Unido) que tenham cometido atos de corrupção. No Brasil, a responsabilidade penal de pessoas jurídicas é admitida apenas em casos de crimes ambientais (art. 225, § 3º, da CF e art. 3º da Lei 9.605/1998).
[2] Fonte: Deferred Prosecution Agreements | The Crown Prosecution Service. Acesso em 13 de maio de 2025.
[3] O SFO também aponta como uma boa-prática de cooperação o fornecimento à autoridade de notas de entrevistas que não estejam protegidas pelo sigilo profissional. Se esses registros estejam sob sigilo profissional, a renúncia a esse sigilo será considerada positivamente como um indicativo de cooperação.
[4] Forum shopping é uma prática onde litigantes buscam ajuizar uma ação ou processo em um tribunal em que acreditam ter maiores chances de um julgamento favorável. O termo implica na escolha consciente de um foro (tribunal) entre vários que têm competência para julgar o caso, com o objetivo de obter um resultado mais benéfico. Fonte: Forum Shopping | Senado Federal. Acesso em 14 de maio de 2025.
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